segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A um ausente




“Tenho razão de sentir saudade,tenho razão de te acusar.Houve um pacto implícito que rompeste e sem te despedires foste embora.(...)
Antecipaste a hora.Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas....” (Drummond)


"Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta (...) Trouxeste a chave? (Drummond)


(José Saramago - 16/11/1922 - 18/6/2010)

Tristeza por ter perdido alguém cujos livros ora me revoltavam, ora me apaixonavam.
Sim, perdi, não porque o tivesse na convivência pessoal ou em presença (como queiram);
perdi a futura convivência com novas brigas e identificações. Eu ousava falar com ele em cafés, passando por lunática; fechava livros prometendo não mais lê-los. Lia 3, 4 vezes o mesmo livro.
Saí de uma livraria recentemente brigada com ele (“como você ousa se referir a Eclesiastes desse jeito?”). O livro se chama Caim.

O conto da ilha desconhecida foi uma demostração de afeto e doçura - logo dele, cuja “montagem humana” era ácida.

As Intermitências da Morte foi um tapa na cara. Ensaio sobre a cegueira, outro.

O Ano da Morte de Ricardo Reis, deixei pela metade. (uma das maravilhas de ser leitor é a liberdade; outra, a intimidade com os textos - e com um cheiro dos livros que nenhum perfume francês jamais alcançará)

E as epígrafes! Procurei feito doida (como também um monte de gente que conheço) o Livro dos Conselhos (“ Se podes olhar, vê; se podes ver, repara”); o Livro das Evidências (“Tu sabes o nome que te deram, mas tu desconheces o nome que tens”) - pra, depois, ler entrevista no jornal: “eu inventei esses livros”.

Ah, ele seduzia... e como!

E o seu maior encanto era o de não se querer encantador.

Um delicioso saber agridoce se ausentou dos meus olhos hoje. E não sem pena. E não sem dor.
Não sei se pessoas por aí entendem o que é de fato o amor pela leitura. Pois digo: é um amor visceral, é amor eterno (livros nunca nos abandonam), é o amor pela imagem (sim, escrita é imagem em grafemas), é amor que faz doer, mas sem dolo, é amor que aquece, enraivece, acolhe, instiga, vicia (sempre queremos uma dose a mais). É amor. Ponto.

Quando tenho a notícia de que um escritor morreu, meu coração sangra. Menos arte e talvez mais maldade no mundo. A beleza das palavras não é para poucos. É para todos. Basta chegar...
Não se espantem com meu sentimento. Não acusem. É legítimo. Louca? Sou. Já abdiquei da companhia de namorado pra ler - mesmo sendo uma adolescente que sempre adorou permas, tríceps, bíceps...o pacote completo. Louca e estranha. Esquisita na visão de algumas muitas pessoas. Até hoje sou desigual. Mas quando eles (os livros) me olham daquele jeitinho faceiro e sedutor eu agarro. e beijo com os olhos.

Jamais percam a chance de ler (só vai aqui um aviso: José de Alencar provoca enjoos e gastrite, tomem café da manhã leve).

Acreditem: a cura da alma, muitas vezes, se faz por meio das palavras. Até porque a leitura é ato sagrado, é liturgia.


Rosane Gomes

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