segunda-feira, 29 de junho de 2015










Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é. Álvaro de Campos




























Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.

O que for, quando for, é que será o que é. Álvaro de Campos











Não tenho medo da Morte/Agora a mim não intriga;
Tampouco temo a Sorte:Já se tornou minha amiga.
Rosane Gomes @grosane














Não tenho medo da Morte
Agora a mim não intriga;
Tampouco temo a Sorte:
Já se tornou minha amiga.
Rosane Gomes @grosane

domingo, 28 de junho de 2015













E O mundo é magnífico. Magnífico
É bom demais estar vivo. É bom demais
Às vezes ato mais heroico é o mais anônimo, 
mais silencioso que só Deus sabe -
Isso que é a maravilha, né?
Isso é uma coisa valiosa demais...
A vida humana. Adélia Prado























E O mundo é magnífico. Magnífico É bom demais estar vivo. É bom demais
E eu quero esta vida, essa vidinha - essa que é a boa, com as chaturinhas dela, as coisas difíceis…
Às vezes ato mais heroico é o mais anônimo, mais silencioso que só Deus sabe -
a gente não conta nem pra pessoa mais intima nossa.Isso que é a maravilha, né?
Isso é uma coisa valiosa demais...A vida humana. Adélia Prado





sexta-feira, 26 de junho de 2015

Adélia Prado 2







...)
"Quando eu falo de poesia, não é apenas da poesia que,
eventualmente, nem sempre nós encontramos nos poemas.
Falo do fenômeno poético de natureza epifânica, reveladora,
do que confere a uma obra de arte o estatuto de obra de arte;  pode ser música, pode ser escultura, pintura,
teatro, dança, cinema e literatura que é onde eu me coloco.
Tudo isso que foi nomeado, tudo aquilo que eu chamo de arte
se justifica pela poesia que ela contém. Se não tiver poesia não é cinema, não
é teatro, não é pintura, não é literatura. Não tendo, ela é tudo  menos obra de arte.
(...)
É muito estranho falar do ser das coisas, esse ser, ele é
inapreensível, eu não dou conta de pegar o ser de uma rosa, de um rio, de uma
paisagem ou de um rosto, mas quando a arte ela faz isso, ela apreende a coisa
mais alta que está atrás das coisas, ela nos revela, nos remete à beleza
suprema se nós estivermos despidos do orgulho, da razão e da lógica.
Então, para que esse fenômeno de revelação da arte possa
acontecer temos que estar desnudos de todo o orgulho, a razão tem que abrir mão
desse poder, a lógica tem que abrir mão desse poder para que a obra seja
apreendida no único lugar para qual ela quer ir que é o centro da pessoa,
aquilo que nós chamamos, o sentimento, os nossos afetos.
Aquilo que nos constitui felizes ou infelizes, não é o que
nós sabemos, mas é o que nós sentimos.
Arte é para o sentimento, é para a sensibilidade, é para a
inteligência do coração e não para a nossa inteligência lógica.
(...)
A arte fala de absolutamente tudo porque qualquer coisa é a
casa da poesia. Ela não escolhe tema nem enredo, nem assunto. Ela pousa onde
lhe apraz e é esse o momento que é apreendido pelo poeta, pelo artista.
(...)
Agora nós podemos perguntar: “Por que a arte nos humaniza?”
Porque mostra não a aparência, mas nos induz por causa da
emoção que ela nos causa.
Ela nos induz à intimidade, à alma das coisas, à nossa
própria intimidade e é por isso que ela nos comove; porque mexe. Não em nossos
pensamentos, mas em nossos afetos, naquilo que nós sentimos – e toda obra me
oferece um espelho. A obra é um espelho. Ela faz com que eu me reconheça nela.
Se você diante de um livro diz: “como esse autor pôde tocar
nisso? Eu achava que só eu sentia isso, só eu sabia disso”. Aí é que está o
nosso equívoco, e aí mora a universalidade da obra verdadeira.

Qualquer obra feita na China, Japão, Canadá, no Brasil –
verdadeira – ela tem o dom de espelhar a humanidade, aquilo que nos é comum. E
nada mais comum em nós do que nosso desejo, do que nossos afetos.
Queremos ser felizes e temos medo, temos compaixão, temos
ódio, temos ira, temos bondade, todas as boas e más paixões que nos habitam. É
esse material que faz a obra de arte. Ela não é um pensamento filosófico. Ela
expressa aquilo que nós sentimos, aquilo que é humano e só por isso ela me
alimenta porque ela dá significação e sentido na minha vida.
Isso é muito interessante porque nós todos padecemos de uma
angústia imensa; uma das primeiras angústias humanas, que é a angústia do
tempo, da finitude, nós começamos e acabamos, somos finitos, nós passamos.
A obra de arte não sofre esse desgaste, ela está fora do
tempo.
Uma emoção muito profunda que você teve, uma paisagem muito
bela que você viu, qualquer coisa que te comoveu, comoveu e passou. Mas, quando
aquilo é apreendido num quadro ou numa poesia, qualquer forma de arte, essa
obra segura o tempo pra mim. Ela não apenas segura o tempo, mas ela tem uma
qualidade que nós perseguimos sempre, que é a unidade do nosso ser, a unidade
da nossa experiência, porque nós vivemos de maneira fragmentada.
Quantas coisas nós já fizemos hoje? Tudo fragmentado! Uma
hora é tomar café, uma hora é tomar banho, uma hora é se vestir… Tem fragmentos
de tempo e nós queremos uma coisa eterna, unidade, na unidade que dure, que
perdure e que não sofra essa solução de continuidade.
Então a coisa mais próxima disso que nós temos enquanto
estamos vivos é a arte.
Você contempla um quadro, escuta uma música, aquilo está
inteiro e porque está inteiro ele me dá sentido, me dá um eixo, me dá alegria.

A arte consola, conforta, é pão espiritual.
Há uma fome em nós que nenhuma prosperidade material, que nenhum
sucesso material pode saciar, você continua faminto, faminto de transcendência,
algo que me diga “você é mais que seu corpo, você é mais do que suas
necessidades básicas, você é mais do que essa coisa quantitativa, você é aquilo
que está presente no seu desejo, no seu sentimento e na sua alma.”
A gente vê pessoas, por exemplo, que não são capazes – por
uma série de motivos -  ou que nem pensam
nisso, em articular esse desejo, só falam assim: “ah, mas que coisa boa que tem
isso”.
Tem algo mais nos acenando – nos acenando de onde? Não é a
religião que inventou, não é a filosofia que inventou, está acenando de dentro
do nosso próprio ser. É um desejo profundo que nós experimentamos na nossa
orfandade original, e nós já nascemos órfãos de ter sentido na vida, de ter
significado e de ter perenidade. Não pode acabar. Esse é o desejo que nós
temos.
E isso tudo significa- a pessoa que tem essa experiência,
que tem esse desejo – nós dizemos que é uma pessoa que tem vida interior, vida
simbólica.
Nós podemos dissecar um corpo, abrir um cadáver e nós não
vamos achar onde está isso, mas essa pessoa viva nos diria desse desejo, desse
sentimento, capacidade de sofrer, de ter frustrações, dores profundas,
depressões indescritíveis e alegrias indescritíveis.
De onde vem isso, de onde nasce isso a não ser da própria
profundidade da nossa alma e de nosso sentimento?
Então, a arte nasce daí e produz a partir daí, o autor não
tem poder sobre sua obra nesse sentido, ela é dada e oferecida como um dom para
a alegria de toda comunidade humana.
Imagine nós sem isso!
Mas quando a gente procura a arte é tão maravilhoso, porque
sem saber e sem querer nós estamos procurando as coisas espirituais, aquilo que
não tem peso, nem tempo, nem medida…
Mas, que sem isso, a gente está regredindo à pura barbárie,
nós nos tornaríamos bárbaros.
A arte nesse sentido, ela consola, conforta, alegra e às
vezes com muito choro.
Há obras que nos deixam prostrados, às vezes falando sobre
nada.
Tem um poema que é impossível não falar, do Drummond que se
chama “Tarde de Maio”. É um dos poemas mais maravilhosos, pra mim, que ele
escreveu. É um poema longo, mas ele é constrangedor, tal é a beleza dele. Ele
fala sobre o Sol se escondendo no acaso, uma tarde luminosa de Maio, aquela luz
própria de Maio. É isso, ele fala sobre isso, sobre nada quase, e no entanto,
esse é o puro alimento do espírito, porque só o homem pode se comover com o Sol
que se esconde no horizonte, com a árvore florida, com as coisas mais mínimas,
mais cotidianas, que escondem em si mesmas a beleza – e é essa beleza que toda
arte procura. É tão forte que há pessoas que começam a olhar flores depois que
viram flores no poema.
Então, foi a força movedora e comovedora da arte – que faz
com que abramos os olhos para a maravilha da criação, a maravilha da
experiência humana que nos aguarda.

Qual o papel da obra de arte? Nenhum, ela é expressão pura.
Você encontra um pintor, por exemplo, desenhando e apagando
desenhando e apagando… Até se comprazer e falar “agora ficou bom”. Agora o quê?
Um ramo, uma fruta, um perfil… coisas que não valem absolutamente nada.
É dessa matéria imponderável sem valor quantitativo que é
feita a obra de arte.
Um quadro valer milhões é o mesmo que não valer nada, porque
não tem como medir a importância, a magnitude daquilo que está expresso numa
obra.
Então, os artistas – apesar de si mesmos – o que funciona é
a obra, ela estar dizendo ou não.
(...)
A fome de beleza é universal.
Nós não podemos achar que alguém não entenda isso, todos
entendem!
Há pessoas que têm vergonha de entrar na livraria; não é
porque não queiram, é vergonha.
Isso eu acho que é culpa do nosso sistema de educação que
não coloca o ensino da língua via literatura brasileira.
Nós precisamos da beleza, beleza não é luxo, é necessidade.
Quando Jesus estava comendo na casa do fariseu, Madalena
derramou bálsamo caríssimo nos pés de Cristo. Judas falou: “Que desperdício,
onde já se viu fazer uma coisa dessa, dinheiro que podia dar comida aos
pobres.” Cristo respondeu: “Pobres vocês sempre terão convosco, mas ela
(Madalena) está me ungindo para a sepultura”.
Nós precisamos disso!
A Arte não é econômica, ela é generosa.
É muito difícil a pessoa se dar conta de que todos nós,
artistas ou não, pobres ou ricos, só temos o cotidiano, o cotidiano de todo
mundo é absolutamente ordinário.
A cada um de nós, cabe a vida comum, o cotidiano. E eu tenho
a absoluta convicção de que é atrás e é através do cotidiano que se revela a
metafísica.
A beleza, está na criação, já está na nossa vida.
Drummond tem um poema que, por outras vias ele fala assim:
“Eu não sabia que a minha vida era mais bonita que a de Robinson Crusoé”. Essas
vidas ficaram encantadoras depois que passaram.
O mais bacana é a gente tirar o nosso heroísmo do nosso
cotidiano.

Só a morte é que dá um perfil para nós. Depois que a pessoa
morre, falamos: “coitado”.
Às vezes é heroico.
Pra mim, cotidiano é o grande tesouro!
Ortega y Gasset: “Admirar-se daquilo que é natural é que é o
bacana”.
A alma, criadora, criativa, sensível, um belo dia se admira
de algum ser como a água.
A vida é extraordinária.
Admirar-se de um Bezerro de duas cabeças qualquer débil
mental se admira. Admirar-se do que é natural, só quem está cheio do Espírito
Santo. É outro olhar.
O mundo é magnífico!
Todos nós queremos no nosso “currículo da vida” um ato
heroico; às vezes o ato mais heroico da nossa vida é o mais anônimo, é o mais
silencioso, que só Deus sabe. Isso que é a maravilha!
O cotidiano pra mim tem esse aspecto de maravilha, de
tesouro.

“Há mulheres que dizem: meu marido se quiser pescar pesque,
mas que limpe os peixes. Eu não, qualquer hora da noite me levanto, ajudo a
descamar, abrir, retalhar, dessalgar. É tão bom a gente sozinhos na cozinha. De
vez em quando os cotovelos esbarram e ele diz coisas como: esse foi difícil,
dando rabanadas e faz o gesto com a mão. O silêncio de quando nos vimos a
primeira vez atravessa a cozinha como um rio profundo, por fim os peixes na
travessa, vamos dormir. Coisas prateadas espocam, somos noivo e noiva."
Não tem coisa mais ordinária do que limpar peixe, mas é um
ato humano, o que é humano já está combinado que é maravilhoso.

"Louvado sejas Deus meu Senhor porque o meu coração
está cortado a lâmina, mas sorrio no espelho ao que à revelia de tudo se
promete, porque sou desgraçado como um homem tangido para a forca, mas me
lembro de uma noite na roça, o luar nos legumes e um grilo, minha sombra na
parede. Louvado sejas porque eu quero pecar 
contra o afinal sítio aprazível dos mortos, violar as tumbas com o
arranhão das unhas, mas vejo tua cabeça pendida e escuto o galo cantar três
vezes em meu socorro. Louvado sejas porque a vida é horrível, porque mais é o
tempo que eu passo recolhendo os despojos. Velho é o fim da guerra como
macabra, mas limpo os olhos, do muco do meu nariz, por um canteiro de grama.
Louvado sejas porque eu quero morrer, mas tenho medo e insisto em esperar o
prometido. Uma vez quando eu era menina quando abri a porta de noite, a horta
estava branca de luar e acreditei sem nenhum sofrimento, louvado sejas.”

Mas agora uma boa notícia, no céu, os militantes, os
padecentes, os triunfantes seremos só amantes.



Muito obrigada! 





segunda-feira, 22 de junho de 2015












Não compreendo o que vi. E nem mesmo sei se vi, já que meus olhos terminaram não se diferenciando da coisa vista. Só por um inesperado tremor de linhas, só por uma anomalia na continuidade ininterrupta de minha civilização, é que por um átimo experimentei a vivificadora morte. A fina morte que me fez manusear o proibido tecido da vida. É proibido dizer o nome da vida. E eu quase o disse. Quase não me pude desembaraçar de seu tecido, o que seria a destruição dentro de mim de minha época.

Talvez o que me tenha acontecido seja uma compreensão — e que, para eu ser verdadeira, tenho que continuar a não estar à altura dela, tenho que continuar a não entendê-la. Toda compreensão súbita se parece muito com uma aguda incompreensão.





Não. Toda compreensão súbita é finalmente a revelação de uma aguda incompreensão. Todo momento de achar é um perder-se a si próprio. Talvez me tenha acontecido uma compreensão tão total quanto uma ignorância, e dela eu venha a sair intocada e inocente como antes. Qualquer entender meu nunca estará à altura dessa compreensão, pois viver é somente a altura a que posso chegar — meu único nível é viver. Só que agora, agora sei de um segredo. Que já estou esquecendo, ah sinto que já estou esquecendo...






Vida e morte foram minhas, e eu fui monstruosa. Minha coragem foi a de um sonâmbulo que simplesmente vai. Durante as horas de perdição tive a coragem de não compor nem organizar. E sobretudo a de não prever. Até então eu não tivera a coragem de me deixar guiar pelo que não conheço e em direção ao que não conheço: minhas previsões condicionavam de antemão o que eu veria. Não eram as antevisões da visão: já tinham o tamanho de meus cuidados.






Para sabê-lo de novo, precisaria agora re-morrer. E saber será talvez o assassinato de minha alma humana. E não quero, não quero. O que ainda poderia me salvar seria uma entrega à nova ignorância, isso seria possível. Pois ao mesmo tempo que luto por saber, a minha nova ignorância, que é o esquecimento, tornou-se sagrada. Sou a vestal de um segredo que não sei mais qual foi. E sirvo ao perigo esquecido. Soube o que não pude entender, minha boca ficou selada, e só me restaram os fragmentos incompreensíveis de um ritual. Embora pela primeira vez eu sinta que meu esquecimento esteja enfim ao nível do mundo. Ah, e nem ao menos quero que me seja explicado aquilo que para ser explicado teria que sair de si mesmo. Não quero que me seja explicado o que de novo precisaria da validação humana para ser interpretado.





Minhas previsões me fechavam o mundo. Até que por horas desisti. E, por Deus, tive o que eu não gostaria. Não foi ao longo de um vale fluvial que andei — eu sempre pensara que encontrar seria fértil e úmido como vales fluviais. Não contava que fosse esse grande desencontro.



Para que eu continue humana meu sacrifício será o de esquecer? Agora saberei reconhecer na face comum de algumas pessoas que — que elas esqueceram. E nem sabem mais que esqueceram o que esqueceram.

Eu vi. Sei que vi porque não dei ao que vi o meu sentido. Sei que vi — porque não entendo. Sei que vi — porque para nada serve o que vi. Escuta, vou ter que falar porque não sei o que fazer de ter vivido. Pior ainda: não quero o que vi. O que vi arrebenta a minha vida diária. Desculpa eu te dar isto, eu bem queria ter visto coisa melhor. Toma o que vi, livra-me de minha inútil visão, e de meu pecado inútil.


Dar a mão a alguém sempre foi o que esperei da alegria. Muitas vezes antes de adormecer — nessa pequena luta por não perder a consciência e entrar no mundo maior — muitas vezes, antes de ter a coragem de ir para a grandeza do sono, finjo que alguém está me dando a mão e então vou, vou para a enorme ausência de forma que é o sono. E quando mesmo assim não tenho coragem, então eu sonho.

Como pois inaugurar agora em mim o pensamento? e talvez só o pensamento me salvasse, tenho medo da paixão. Clarice Lispector  










Não tenho medo da morte
Agora a mim não intriga
Tampouco temo a Sorte:
Já se tornou minha amiga
Rosane Gomes @grosane








Não tenho medo da morte
Agora a mim não intriga
Tampouco temo a Sorte:
Já se tornou minha amiga

domingo, 21 de junho de 2015






Meu coração se acautela
e, imerso em desilusões,
faz da razão sentinela…
contra novas invasões!
João Freire Filho


Meu coração se acautela
e, imerso em desilusões,
faz da razão sentinela…
contra novas invasões!
João Freire Filho 

segunda-feira, 8 de junho de 2015



do Deus, que aos homens
nos faz da ternura e do pó.
Em nome do Pai, que fez toda 
carne, a preta e a branca,
vermelhas no sangue.
Em nome do Filho, 
Jesus nosso irmão,
que nasceu moreno 
da raça de Abraão.
Em nome do Espírito Santo,
bandeira do canto
do negro Em nome 
do Deus verdadeiro
que amou-nos primeiro
sem dividição.

Milton Nascimento - Missa dos Quilombos - A de Ó (Estamos Chegando)



Estamos chegando
Dos ricos fogões,
Estamos chegando
Dos pobres bordéis,
Da carne vendida nós somos,
Viemos amar.

Estamos chegando
Das velhas senzalas,
Estamos chegando
Das novas favelas,
Das margens do mundo nós somos,
Viemos dançar.

Estamos chegando
Dos trens dos subúrbios,
Estamos chegando
Nos loucos pingentes,
Com a vida entre os dentes chegamos,
Viemos cantar.

Estamos chegando dos grandes estádios,
Estamos chegando
Da escola de samba,
Sambando a revolta chegamos,
Viemos gingar.

A de ó

Estamos chegando
Do ventre das Minas,
Estamos chegando
Dos tristes mocambos,
Dos gritos calados nós somos,
Viemos cobrar.

Estamos chegando
Da cruz dos engenhos,
Estamos sangrando
A cruz do Batismo,
Marcados a ferro nós fomos,
Viemos gritar.

Estamos chegando
Do alto dos morros,
Estamos chegando
Da lei da Baixada,
Das covas sem nome chegamos
Viemos clamar.

Estamos chegando
Do chão dos Quilombos,
Estamos chegando
Do som dos tambores,
Dos Novos Palmares só somos,
Viemos lutar.

domingo, 7 de junho de 2015

Clarice Lispector, A Descoberta do Mundo

 A mensagem é clara: não sacrifique o dia
 de hoje pelo dia de amanhã.
 Se você se sente infeliz agora, 
tome uma providência agora, 
pois só nas sequências 
dos agoras é que você existe.”
(Clarice Lispector, A Descoberta
do Mundo)
A MORTE E O LENHADOR  (Fábula de Esopo)
Um velho lenhador, cansado de sua tarefa de buscar lenha da mata, 
invoca duas vezes a Morte. 
Quando ela aparece, o lenhador se arrepende e diz tê-la chamado 
apenas para pedir ajuda para colocar a lenha sobre as costas:
"Um pobre lenhador, vergado pelo peso dos anos e da lenha, 
que às costas trazia, caminhava gemendo, no calor do dia, 
sentindo por si próprio o mais cruel desprezo.
A dor, por fim, foi tanta que ele até parou e, 
pondo ao chão seu fardo, pôs-se a refletir:
Que alegrias tivera em seu pobre existir? 
Depois de tanta vida, algum prazer lhe restou?
Ele era um infeliz, completo e acabado!
Pensando nessa falta de alegria e sorte, chamou
 em seu auxílio a morte.
- "Vosmecê me chamou, e eu vim. Agora venha."
- "Só te chamei pra me ajudar com a lenha…"
Moral:A morte tudo conserta, mas pressa não deve haver, 
pois a sentença é bem certa: antes sofrer que morrer.

Wheel of Musical Impressions with Jamie Foxx

sexta-feira, 5 de junho de 2015









Não é apenas um vago, modulado sentimento
O que me faz cantar enormemente
A memória de nós. É mais. É como um sopro
De fogo, é fraterno e leal, é ardoroso
É como se a despedida se fizesse o gozo
De saber
Que há no teu todo e no meu, um espaço
Oloroso, onde não vive o adeus.
Não é apenas vaidade de querer
Que aos cinqüenta
Tua alma e teu corpo se enterneçam
Da graça, da justeza do poema. É mais.
E por isso perdoa todo esse amor de mim
E me perdoa de ti a indiferença. 

Hilda Hilst

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Ama-me. É tempo ainda. 
Interroga-me.E eu te direi 
que o nosso tempo é agora.
Esplêndida altivez,vasta ventura
Porque é mais vasto o sonho 

que elabora Há tanto tempo 
sua própria tessitura.
Ama-me.Embora eu te pareça
Demasiado intensa.E de aspereza.
E transitória se tu me repensas

Hilda Hilst

Hilda Hilst Dez Chamamentos ao amigo







I

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo.
Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há um tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

II

Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me.
E eu te direi que o nosso tempo é agora.
Esplêndida altivez, vasta ventura
Porque é mais vasto o sonho que elabora
Há tanto tempo sua própria tessitura.
Ama-me. Embora eu te pareça
Demasiado intensa. E de aspereza.
E transitória se tu me repensas.

III

Se refazer o tempo, a mim, me fosse dado
Faria do meu rosto de parábola
Rede de mel, ofício de magia
E naquela encantada livraria
Onde os raros amigos me sorriam
Onde a meus olhos eras torre e trigo
Meu todo corajoso de Poesia
Te tomava. Aventurança, amigo,
Tão extremada e larga
E amavio contente o amor teria sido.

IV

Minha medida? Amor.
E tua boca na minha
Imerecida.
Minha vergonha? O verso
Ardente. E o meu rosto
Reverso de quem sonha.
Meu chamamento? Sagitário
Ao meu lado
Enlaçado ao Touro.
Minha riqueza? Procura
Obstinada, tua presença
Em tudo: julho, agosto
Zodíaco antevisto, página
Ilustrada de revista
Editorial, jornal
Teia cindida.
Em cada canto da Casa
Evidência veemente
Do teu rosto.

V

Nós dois passamos. E os amigos
E toda minha seiva, meu suplício
De jamais te ver, teu desamor também
Há de passar. Sou apenas poeta
E tu, lúcido, fazedor da palavra,
Inconsentido, nítido
Nós dois passamos porque assim é sempre.
E singular e raro este tempo inventivo
Circundando a palavra. Trevo escuro
Desmemoriado, coincidido e ardente
No meu tempo de vida tão maduro.

VI

Foi Julho sim. E nunca mais esqueço.
O ouro em mim, a palavra
Irisada na minha boca
A urgência de me dizer em amor
Tatuada de memória e confidência.
Setembro em enorme silêncio
Distancia meu rosto. Te pergunto:
De Julho em mim ainda te lembras?
Disseram-me os amigos que Saturno
Se refaz este ano. E é tigre
E é verdugo. E que os amantes
Pensativos, glaciais
Ficarão surdos ao canto comovido.
E em sendo assim, amor,
De que me adianta a mim, te dizer mais?

VII

Sorrio quando penso
Em que lugar da sala
Guardarás o meu verso.
Distanciado
Dos teus livros políticos?
Na primeira gaveta
Mais próxima à janela?
Tu sorris quando lês
Ou te cansas de ver
Tamanha perdição
Amorável centelha
No meu rosto maduro?
E te pareço bela
Ou apenas te pareço
Mais poeta talvez
E menos séria?
O que pensa o homem
Do poeta? Que não há verdade
Na minha embriaguez
E que me preferes
Amiga mais pacífica
E menos aventura?
Que é de todo impossível
Guardar na tua sala
Vestígio passional
Da minha linguagem?
Eu te pareço louca?
Eu te pareço pura?
Eu te pareço moça?
Ou é mesmo verdade
Que nunca me soubeste?

VIII

De luas, desatino e aguaceiro
Todas as noites que não foram tuas.
Amigos e meninos de ternura
Intocado meu rosto-pensamento
Intocado meu corpo e tão mais triste
Sempre à procura do teu corpo exato.
Livra-me de ti. Que eu reconstrua
Meus pequenos amores. A ciência
De me deixar amar
Sem amargura. E que me dêem
Enorme incoerência
De desamar, amando. E te lembrando
- Fazedor de desgosto -
Que eu te esqueça.

IX

Esse poeta em mim sempre morrendo
Se tenta repetir salmodiado:
Como te conhecer, arquiteto do tempo
Como saber de mim, sem te saber?
Algidez do teu gesto, minha cegueira
E o casto incendiado momento
Se ao teu lado me vejo. As tardes
Fiandeiras, as tardes que eu amava,
Matéria de solidão, íntimas, claras
Sofrem a sonolência de umas águas
Como se um barco recusasse sempre
A liquidez. Minhas tardes dilatadas
Sobreexistindo apenas
Porque à noite retomo minha verdade:
teu contorno, teu rosto álgido sim
E por isso, quem sabe, tão amado.

X

Não é apenas um vago, modulado sentimento
O que me faz cantar enormemente
A memória de nós. É mais. É como um sopro
De fogo, é fraterno e leal, é ardoroso
É como se a despedida se fizesse o gozo
De saber
Que há no teu todo e no meu, um espaço
Oloroso, onde não vive o adeus.
Não é apenas vaidade de querer
Que aos cinqüenta
Tua alma e teu corpo se enterneçam
Da graça, da justeza do poema. É mais.
E por isso perdoa todo esse amor de mim
E me perdoa de ti a indiferença. 


Fernando Pessoa - Ó Sino da minha aldeia

Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.

s. d.Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995). 
- 93.

1ª publ. in Renascença. Lisboa: Fev. 1924.






“Não é que seja exatamente corajoso, meu coração tem é isso de bom: não ocupa espaço com mágoas e, com o tempo, ele se tornou desmemoriado pra assuntos de frustração. Quando me dou conta, lá está ele amando de novo, sorriso de orelha a orelha, com tal frescor que parece que nunca foi ferido. Dá, sim, pra ver uma cicatriz aqui e ali, outras mais adiante, que cicatriz não morre, mas ele não liga. Nem eu. Não é que seja exatamente teimoso, meu coração tem é isso de bom: gosta de amar. Eu também.” (Ana Jácomo)






“Não é que seja exatamente corajoso, meu coração tem é isso de bom: não ocupa espaço com mágoas e, com o tempo, ele se tornou desmemoriado pra assuntos de frustração. Quando me dou conta, lá está ele amando de novo, sorriso de orelha a orelha, com tal frescor que parece que nunca foi ferido. Dá, sim, pra ver uma cicatriz aqui e ali, outras mais adiante, que cicatriz não morre, mas ele não liga. Nem eu. Não é que seja exatamente teimoso, meu coração tem é isso de bom: gosta de amar. Eu também.” (Ana Jácomo)


Ricardo Reis

Mestre, são plácidas
Todas as horas
Que nós perdemos, 
Se no perdê-las,
Qual numa jarra,
Nós pomos flores.

Não há tristezas
Nem alegrias
Na nossa vida.
Assim saibamos,
Sábios incautos,
Não a viver,
Mas decorrê-la,
Tranquilos, plácidos,
Tendo as crianças
Por nossas mestras,
E os olhos cheios
De Natureza...

terça-feira, 2 de junho de 2015

Conversas de Internet - Padre Fábio de Melo

Graça, está aí acima. A Palavra. "Não mais adorarás ídolos de barro" é o pressuposto. Não entendo essa postura. O QUE EU AFIRMO AQUI ESTÁ DENTRO DE MINHA FÉ, RESPEITADAS TODAS AS CRENÇAS E RELIGIÕES. QUE FIQUE CLARO. Nossa Senhora ser tomada como norte, OK. Comprar uma medalha, OK. EU AMO E RESPEITO A FIGURA DE NOSSA SENHORA. NÃO TENHO MEDALHINHA. Agora usá-las como se fossem nos salvar a vida? Ou talvez a pergunta seja: usá-las em lugar de "morar" no cerne do cristianismo que é justamente Cristo? Tá. Bacana, né? Padre Fabio de Melo tem lucidez, conhecimento, sabe o que diz. Estudou profundamente e não é HIPÓCRITA. O que está no polêmico vídeo é " Eu tenho muito medo sabe? Eu tenho presenciado em muitos lugares esse cristianismo sendo nivelado por baixo; o cristianismo sendo reduzido a medalhinhas; a teologia sendo substituída por devoções vazias. A devoção Mariana sendo excessivamente colocada quando Maria está sendo fora do lugar dela, tomando o lugar do Cristo. Isso não é cristianismo. A liberdade consiste em você olhar para a santidade de Maria e DE você rezar com ela para que o CRISTO PREVALEÇA SEMPRE ENTRE NÓS. Porque nós não podemos mais aceitar a experiência de um cristianismo sem o Cristo; é Cristo que nos salva, resgata, liberta. E nós estamos amarrados em muitas outras coisas, classificando isso como bonito, como religioso...Não! Nós precisamos retomar a seriedade dessa Palavra (ele aponta para a Bíblia). São Paulo não está brincando com a comunidade, não está usando meios termos. É CRISTO que nos salva e é em trono dele que devemos organizar a nossa comunidade a nossa vida. E fazermos com que nossa experiência nos leve a uma mudança de MENTALIDADE" (Padre Fábio de melo em vídeo). Então, depois da puxada de orelha, fica combinado o seguinte: a partir de agora eu vou inventar a NOSSA SENHORA DA CHAPINHA, guardadora de todos os cabelos arrepiados e nela vou apoiar minha fé, quando o assunto for esse. Vou criar também SANTO AGAMÊMNON DOS DESESPERADOS POR SILÊNCIO, que nos salva da CHATICE, com direito a medalha e tudo mais. Acidez à parte e da minha parte, o Padre foi lúcido, repito. Ele precisava DESENHAR, será??? Agora veja... A Santa Madre Igreja pode fazer muito (e tem feito) para a sociedade, uma vez que tem dinheiro pra caramba pra ajudar; são muitas as pastorais agindo em hospitais, lugares inóspitos, dentre outras coisas. E aí eles resolvem PUNIR
alguém que chama a atenção, ao fim a ao cabo, para que o cristianismo tenha esse nome pois o norte é CRISTO - DEUS feito homem? Aonde vamos parar? Temos mais com que nos preocupar. Olha, agora mesmo eu vou rezar para Nossa Senhora das Barrigas Moles. Quem sabe eu não consigo uma "tanquinho" ?

Padre Fábio de Melo

 “Alguém me levou de mim
Alguém que eu não sei dizer
Alguém me levou daqui.
Alguém, 

esse nome estranho.
Alguém 

que eu não vi chegar
Alguém 

que eu não vi partir
Alguém, 

que se alguém encontrar,
Recomende 

que me devolva a mim.”
Padre Fábio de Melo 



segunda-feira, 1 de junho de 2015

Dona Olympia - Milton Nascimento





Vai e não esquece de chorar
Vê se não esquece de mentir
Dizer até manhã
E não regressar mais
Vê se não esquece de sumir
É ficou assim, caiu no ar
É passou assim, não quer passar
Não para de doer
E não vai parar mais
Nem de vez em quando vai sarar
Me xinga me deixa me cega
Mas vê!
Tentar compreender
Quase não falar mais
E nem ser preciso perdoar
Me xinga me deixa me cega
Mas vê! (Milton Nascimento)

Fábio de Melo "Quem me roubou de mim?"




“O amor verdadeiro é o amor que faz ser livre, que faz ir além, porque não ama para reter, mas para promover. 
Amor e liberdade são duas vigas de sustentação 
para qualquer relação que pretenda ser respeitosa."
"...Se Deus nos fez livres, o amor de quem nos encontrar pela vida não pode ser contraditório ao amor que nos originou. O outro que acabou de chegar não tem o direito de se tornar obstáculo para "Aquele" que nos sustenta em nossa condição primeira."

“O amor só acontece quando deixamos de imaginar. Só a realidade autentica o amor, atesta sua verdade.”

“o amor é uma espécie de lente que amplia nossa autopercepção. O olhar de quem nos ama é um olhar que nos devolve, abre portas. Por outro lado, se não somos amados, corremos o risco de sermos roubados de nós. Corremos o risco de nos tornar vítimas nas mãos dos outros e de sermos fechados nas estruturas minúsculas de um cativeiro.
Se já afirmamos que, pelas mãos humanas, Deus toca em nossa vida, amando-nos no amor humano que nos promove, por outro lado, também podemos dizer que as estruturas diabólicas nos alcançam cada vez que o amor doentio dos outros modifica nossas escolhas e afeta nossa liberdade fundamental.
Uma coisa é certa: quanto maior é o bem que nos provocam, maior é o desejo que temos de ficar por perto. O desejo sobrevive assim. O outro nos apresenta um jeito novo de interpretar o que somos, e por essa nova visão nos apaixonamos. O que nos encanta no outro é o que ele nos conseguiu fazer enxergar em nós mesmos. Egoísmo? Não. Apenas o primeiro pilar do conceito de pessoa alcançando uma profundidade ainda maior dentro de nós.”

(Pe. Fábio de Melo)



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