sábado, 28 de fevereiro de 2015

Here We Go Again by Ray Charles ft. Norah Jones

Clair de Lune (Extended)

Carlos Mesters

"O homem só é livre diante do seu passado, 

só é capaz de ver claro nos meandros sinuosos 

da sua própria história, na medida em que 

caminha e se aproxima do seu futuro.

 Só então é livre para apreciar todo 

o valor do longo caminho percorrido,

 e poderá integrar esse valor na sua vida 

como um novo estímulo. Parou, morreu!" 

(Carlos Mesters)

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

"O Livro Tibetano do Viver e do Morrer"

"O Livro Tibetano do Viver e do Morrer"

Capítulo I
Ando pela rua.
Há um buraco fundo na calçada.
Eu caio....Estou perdido...
Não é culpa minha.
Levo muito tempo para encontrar a saída.

Capítulo II
Ando pela mesma rua.
Há um buraco fundo na calçada.
Mas finjo não vê-lo.
Caio nele de novo.
Não posso acreditar que estou no mesmo lugar.
Mas não é culpa minha.
Ainda assim, leva um tempão para sair.

Capítulo III
Ando pela mesma rua.
Há um buraco fundo na calçada.
Vejo que ele ali está.
Ainda assim caio...
É um hábito.
Meus olhos se abrem.
Sei onde estou.
É minha culpa.
Saio imediatamente.

Capítulo IV
Ando pela mesma rua.
Há um buraco fundo na calçada.
Dou a volta.

Capítulo V
Ando por outra rua.

Dispersos

"...quem sai do seu lugar,

nunca a si mesmo regressa." 

(Mia Couto)

Bernardo Soares

Assim como lavamos o corpo deveríamos lavar o destino,

mudar de vida como mudamos de roupa —

não para salvar a vida, como comemos e dormimos,

mas por aquele respeito alheio por nós mesmos,

a que propriamente chamamos asseio.

(Bernardo Soares, Livro do Desassossego)

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Fragmento

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém…
Sem ti correrá tudo sem ti.
A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão…
Encara-te a frio, e encara a frio o que somos…
Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem,
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?
QUE MEMÓRIA DOS OUTROS
TEM O RITMO ALEGRE DA VIDA?
(Álvaro de Campos, fragmentos de poema)

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Dies Irae, Clarice Lispector

"Amanheci em cólera. Não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece. E nem ao menos posso fazer o que uma menina semiparalítica fez em vingança: quebrar um jarro. Não sou semiparalítica. Embora alguma coisa em mim diga que somos todos semiparalíticos. E morre-se, sem ao menos uma explicação. E o pior – vive-se, sem ao menos uma explicação. E ter empregadas, chamamo-las de uma vez de criadas, é uma ofensa à humanidade. E ter a obrigação de ser o que se chama de apresentável me irrita. Por que não posso andar em trapos, como os homens que às vezes vejo na rua com a barba o peito e uma bíblia na mão, esses deuses que fizeram da loucura um meio de entender? E por que, só porque eu escrevi, pensam que eu tenho que continuar a escrever? Avisei a meus filhos que amanheci em cólera, e que eles não ligassem. Mas eu quero ligar. Quererei fazer alguma coisa definitiva que rebentasse com o tendão tenso que sustenta meu coração.
E os que desistem? Conheço uma mulher que desistiu. E vive razoavelmente bem: o sistema que arranjou é ocupar-se. Nenhuma ocupação me agrada. Nada do que eu já fiz me agrada. E o que fiz com amor estraçalhou-me. Nem amar eu sabia, nem amar eu sabia."

DIES IRAE - Clarice Lispector 

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Fernando Pessoa, sempre

Depus a máscara e vi-me ao espelho. — 
Era a criança de há quantos anos. 
Não tinha mudado nada... 
É essa a vantagem de saber tirar a máscara. 
É-se sempre a criança, 
O passado que foi 
A criança. 
Depus a máscara, e tornei a pô-la. 
Assim é melhor, 
Assim sem a máscara. 
E volto à personalidade como a um términus de linha. 

Álvaro de Campos, in "Poemas" 
Heterônimo de Fernando Pessoa 

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

imagemdasletras.blogspot.com.br Apresentação

"... o tempo, o tempo, o tempo e suas mudanças, sempre cioso da obra maior, e, atento ao acabamento, sempre zeloso do concerto menor, presente em cada sítio, em cada palmo, em cada grão, e presente também, com seus instantes, em cada letra desta minha história passional, transformando a noite escura do meu retorno numa manhã cheia de luz..." [Lavoura arcaica]

Tempo e aprendizado me levaram à escrita. Muito tempo. Tempo perdido. Tempo que corre. Vida que leva.
Imagens fônicas e gráficas que acompanham as imagens do cotidiano.
Nada além de querer, como Fernando Pessoa, [alcançar] "todos os sonhos do mundo"...
Rosane Gomes

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Fernando Pessoa falado por Cleonice Berardinelli

Sol nulo dos dias vãos,
Cheios de lida e de calma,
Aquece ao menos as mãos
A quem não entras na alma!
Que ao menos a mão, roçando
A mão que por ela passe
Com externo calor brando
O frio da alma disfarce!
Senhor, já que a dor é nossa
E a fraqueza que ela tem,
Dá-nos ao menos a força
De a não mostrar a ninguém!
s. d.
Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995). 
 - 98.
1ª publ. in Athena, nº 3. Lisboa: Dez. 1924.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Vale a pena ler o alerta. (do site topmagazine.com.br)

Você já jogou sal sobre uma lesma? Então você sabe exatamente como uma decepção age

Sua alma estava úmida de afeto, seu corpo brilhava de gozo e sua mente estava fértil de boas palavras: tudo porque você supôs ter conhecido alguém diferente. Porém, algo aconteceu: ele jogou sal sobre sua alma, polvilhou sal sobre seu corpo, empanou de sal sua mente e agora você se retorce no chão como quem perde o viço, a força, a fé, a água da vida em espasmos cada vez mais violentos. Você está só e nua sob o sal.
Uma das minhas tatuagens é a palavra “silêncio”. Os motivos são vários, um deles, no entanto, é perfeito para esta crônica: o silêncio é uma das mais comuns (não é normal, mas é comum) maneiras de um homem jogar sal sobre o seu, o meu, o nosso coração-lesma.
Ouça o silêncio dele, ouça o carinho interrompido, as respostas que não foram dadas, o afastamento completo, ouça... ele está falando tantas coisas através do silêncio. Tantas, tão desagradáveis, tão salgadas, tão cruas. Dói, eu sei, mas ouça o que ele não diz!
Talvez você tenha escapado de um psicopata. Talvez você tenha escapado de um Narciso. Talvez você tenha escapado de um manipulador muito bem treinado.  Ou de tudo isso junto – o que é mais provável. Isso te consola? Não, eu sei, porque você não escapou: ele te rasgou de ponta a ponta.
Ah, minha amiga, eu queria poder te aconchegar no meu colo e garantir que vai passar; eu queria prometer que amanhã ele vai te amar; queria que você não se arrependesse de ter aberto sua intimidade, suas fotos, sua casa, seu corpo, suas defesas;queria dizer que o silêncio dele é cansaço, é correria, é medo, é cegueira, porém, por mais ficcionista que eu seja, não posso modificar a realidade. Essa dor não vai desaparecer, embora vá melhorar com o tempo. Ele nunca vai te amar, embora possa até ejacular por você em algum devaneio. O arrependimento de ter se exposto vai te acompanhar pra sempre – e tomara que a herança dele seja apenas esta. O silêncio dele não é cansaço nem correria nem cegueira nem medo: é desejo findo, frieza e indiferença. Você é apenas mais uma. Mais uma lesma a se retorcer sob o sal.
Stella Florence é escritora, autora dos sucessos Os indecentesHoje acordei gorda, 32 e O diabo que te carregue, entre outros livros. Todas as quintas-feiras você lê uma crônica inédita dela aqui no site.
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