segunda-feira, 27 de abril de 2015

“Explicação”, de Cecília Meireles

O pensamento é triste; o amor, insuficiente;
e eu quero sempre mais do que vem nos milagres.
Deixo que a terra me sustente:
guardo o resto para mais tarde.
Deus não fala comigo – e eu sei que me conhece.
A antigos ventos dei as lágrimas que tinha.
A estrela sobe, a estrela desce…
– espero a minha própria vinda.
(Navego pela memória
sem margens.
Alguém conta a minha história
e alguém mata os personagens.)

“Explicação”, de Cecília Meireles

O pensamento é triste; o amor, insuficiente;e eu quero sempre mais do que vem nos milagres.Deixo que a terra me sustente:guardo o resto para mais tarde.Deus não fala comigo – e eu sei que me conhece.A antigos ventos dei as lágrimas que tinha.A estrela sobe, a estrela desce…– espero a minha própria vinda.(Navego pela memória sem margens.Alguém conta a minha história e alguém mata os personagens.)

 (Come chocolates, pequena; Come chocolates! Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates. Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria. Come, pequena suja, come! Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes! Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho, Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

sábado, 25 de abril de 2015

Psicólogo dá dicas de como deixar um amor antigo para trás

Psicólogo dá dicas de como deixar um amor antigo para trás

Rompendo relacionamentos - Pe. Fábio de Melo

Não é, acredite em mim, próprio do sábio dizer “eu viverei”. A vida de amanhã é tarde demais. Viva hoje. Póstumo, que amanhã tu vais viver? Dize-me, Póstumo, quando chega esse amanhã? Amanhã começas a viver, dizes tu, Póstumo. Sempre amanhã, mas quando chega esse amanhã? Onde está ele? Falta muito? Onde se pode saber? E que preço tem? Amanhã vives, mas hoje, Póstumo, o dia já vai findando. Sábio é o que viveu a sua vida ontem. (in Telhados de Vidro Nº 7, tradução de Alberto Pimenta.) 

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Seneca - O Tempo

aproveita todas as horas; serás menos dependente do amanhã se te lançares ao presente. Enquanto adiamos, a vida se vai. Todas as coisas(...) nos são alheias; só o tempo é nosso. A natureza deu-nos posse de uma única coisa fugaz e escorregadia, da qual qualquer um que queira pode nos privar.

Seneca, O Tempo - fragmento

Ninguém pensa que alguém lhe deva algo ao tomar o seu tempo, quando, na verdade, ele é único, e mesmo aquele que reconhece que o recebeu não pode devolver esse tempo de quem tirou.(...)como diz um sábio ditado, é tarde para poupar quando só resta o fundo da garrafa. E o que sobra é muito pouco, é o pior.

Clarice, Um Sopro de Vida (trecho)

Saber desistir. Abandonar ou não abandonar — esta é muitas vezes a questão para um jogador. A arte de abandonar não é ensinada a ninguém. E está longe de ser rara a situação angustiosa em que devo decidir se há algum sentido em prosseguir jogando. Serei capaz de abandonar nobremente? ou sou daqueles que prosseguem teimosamente esperando que aconteça alguma coisa? como, digamos, o próprio fim do mundo? ou seja lá o que for, como a minha morte súbita, hipótese que tornaria supérflua a minha desistência? Eu não quero apostar corrida comigo mesma.

Não digas nada! Nem mesmo a verdade Há tanta suavidade em nada se dizer E tudo se entender — Tudo metade De sentir e de ver... Não digas nada Deixa esquecer Talvez que amanhã Em outra paisagem Digas que foi vã Toda essa viagem Até onde quis Ser quem me agrada... Mas ali fui feliz Não digas nada. 

terça-feira, 21 de abril de 2015

 Roberto. Veja: "criatura verticalmente reprimida" apenas aumenta o uso do léxico, não apaga preconceito. Há de se tomar conta dos abusivos deboches ou ofensas dirigidas a QUALQUER pessoa; TODOS somos "minoria" em algum aspecto.Um dos grandes problemas das pessoas é  sucumbir às falas, gestos, seja o que for e se colocar no lugar do coitadinho. Ah, como eu não gosto de coitadinhos...outro problema é o NÃO exercício da cidadania plena - isto inclui, necessariamente, o conhecimento do ART 5 da Constituição,que guarda nossos direitos (o da liberdade de expressão, desde que assumida),consequentemente nos alertando para nossos deveres e limites com relação aos outros. Todos somos CIDADÃOS. Temos de evoluir muito para chegar a esta óbvia conclusão. Quando não mais for assunto isto que hora se nos apresenta, estaremos salvos. E mais: humanos, somos FALHOS. Um simples alerta para salvaguardar a vida de alguém, com um suposto uso errado de palavra, em nada ofende. E pelo amor de Deus! Brigar numa hora dessas é o cúmulo da ignorância. É discutir a discussão da discussão ad nauseam. Poupemo-nos... Oremos... 

terça-feira, 14 de abril de 2015

"Abandonais milhões de crianças aos estragos de uma educação viciosa e imoral. A corrupção emurchece, à vossa vista, essas jovens plantas que poderiam florescer para virtude, e, vós a matais quando, tomadas homens, cometem os crimes que germinavam desde o berço, em suas almas. E, no entanto, que é que fabricais? Ladrões, para ter o prazer de enforcá-los." Utopia, Thomas More

O velho faz um grande esforço para erguer a cabeça, e é o tempo que eu necessitava para reconhecer nosso antigo caseiro. (…), e ele me fita com um ar interrogativo que não consigo interpretar; talvez se pergunte quem sou eu. Penso em lhe dar um tapa nas costas e dizer "há quantos anos, meu tio", mas a intimidade soaria falsa. Meu pai entraria soltando uma gargalhada na cara do velho e dissesse "levanta daí, sacana!". Meu pai tinha talento para gritar com os empregados; xingava, botava na rua, chamava de volta, despedia de novo, e no seu enterro estavam todos lá. Eu, se disser "há quantos anos, meu tio", pode ser que ofenda, porque é outro idioma.

domingo, 12 de abril de 2015

Aquela mulher tinha, diante de si, uma longa viagem a ser feita. Ela precisava retornar ao momento em que permitiu que o homem recém-chegado tomasse posse de sua vida. Precisava voltar para ela mesma;redescobrir as estradas que a reconduziriam à sua subjetividade e nela reaprender a viver.Ela foi vítima de um sequestrador.Foi vítima de um roubo cruel.Não,não foi um roubo material, mas um roubo mais profundo.O sequestrador chegou no momento em que sua vida estava frágil. Descobriu nela uma vítima fácil.Agiu de forma violenta. No princípio, uma violência velada; depois, a violência declarada, gritada para quem quisesse ouvir.A mulher submeteu-se ao tratamento cruel; assumiu a condição de vítima.A violência foi tão profunda que ele ainda mantinha sua vítima acorrentada.Este é um caso clássico de sequestro da subjetividade; esta espécie de roubo da alma; este absurdo que costuma morar ao nosso lado, ou dentro de nós.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

A Paixão Segundo G.H. de Clarice Lispector (fragmentos)

 estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu. Aconteceu-me alguma coisa que eu, pelo fato de não a saber como viver, vivi uma outra?

Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar.


Estou desorganizada porque perdi o que não precisava? Nesta minha nova covardia - a covardia é o que de mais novo já me aconteceu, é a minha maior aventura, essa minha covardia é um campo tão amplo que só a grande coragem me leva a aceitá-la -, na minha nova covardia, que é como acordar de manhã na casa de um estrangeiro, não sei se terei coragem de simplesmente ir. É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo. Até agora achar-me era já ter uma ideia de pessoa e nela me engastar: nessa pessoa organizada eu me encarnava, e nem mesmo sentia o grande esforço de construção que era viver. A ideia que eu fazia de pessoa vinha de minha terceira perna, daquela que me plantava no chão. Mas e agora? estarei mais livre? Não. Sei que ainda não estou sentindo livremente, que de novo penso porque tenho por objetivo achar - e que por segurança chamarei de achar o momento em que encontrar um meio de saída. Por que não tenho coragem de apenas achar um meio de entrada? Oh, sei que entrei, sim. Mas assustei-me porque não sei para onde dá essa entrada. E nunca antes eu me havia deixado levar, a menos que soubesse para o quê.


Ontem, no entanto, perdi durante horas e horas a minha montagem humana. Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida. Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação. Como é que se explica que o meu maior medo seja exatamente em relação: a ser? e no entanto não há outro caminho. Como se explica que o meu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo? como é que se explica que eu não tolere ver, só porque a vida não é o que eu pensava e sim outra como se antes eu tivesse sabido o que era! Por que é que ver é uma tal desorganização? E uma desilusão. Mas desilusão de quê? se, sem ao menos sentir, eu mal devia estar tolerando minha organização apenas construída? Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. No entanto se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido. O que eu era antes não me era bom. Mas era desse não-bom que eu havia organizado o melhor: a esperança. De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro.

domingo, 5 de abril de 2015

Mitologia (o excesso que mata o amor)


Conta um mito que o filho de um Deus (com uma humana – portanto um semideus) e uma bela moça se apaixonaram e começaram a agir descomedidamente. Isolaram-se de tudo e todos, por honra do amor. Não mais interagiam com os habitantes da cidade e se apartaram das famílias, por medo de se perderem um do outro.  
O pai do rapaz era deus do comedimento, moderação, prudência e não admitia o comportamento do filho. Proibiu o relacionamento. Avisou por três vezes que, se insistissem, seriam castigados pela eternidade e somente assim entenderiam que amor não era o que pensavam. O casal insistiu, ignorando a proibição.
O Deus, então, ordenou que fossem acorrentados, de tal forma que ficassem pela eternidade abraçados. Eles nada entenderam, pois se atar para todo o sempre era o que mais desejavam. Supuseram ser um erro: “ Ele fez o exatamente o que queríamos!”
Assim permaneceram durante, algum tempo, felizes.
Até que em um dia o amor deu lugar à  fome e um comeu o outro.


sexta-feira, 3 de abril de 2015

 

“Bem que existe no mundo, aqui e ali, uma espécie de continuação do amor, na qual a cobiçosa ânsia que duas pessoas têm uma pela outra deu lugar a um novo desejo e cobiça, a uma elevada sede conjunta de um ideal acima delas: mas quem conhece tal amor? Quem o experimentou? Seu verdadeiro nome é amizade” (Nietzsche in Gaia Ciência, Livro I, 14 – As coisas que chamamos de amor) 

 

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Na galeria, cada clarão/
 É como um dia depois de outro dia
/ Abrindo um salão
/ Passas em exposição
/ Passas sem ver teu vigia
/ Catando a poesia
/ Que entornas no chão...
(Chico Buarque)

"Mas deliberei isto comigo mesmo: não ir mais ter convosco em tristeza."
(2 Coríntios 2 : 1)
Não fuja da dor, tampouco da alegria
- proteínas necessárias para criar sua massa de afeto.
Deixe-me apenas te conduzir por uma breve receita.
Derrame numa panela
seu sangue escorrido em lágrimas,
um pouco de melancolia,
e sua compulsiva acidez.
Coloque açúcar,
esse necessário glicêmico
equilibrante deste molho
de agonia.
Misture tudo.
Sinta o cheiro da esperança
de que a vida - ESTA vida -
apenas escoa para outros rios.
De tão simples,
apenas sai...
vai por aí - outros lugares ermos (até felizes)
Então, abandone a dureza acinzentada dos seus dias
e volte à panela:
atente para o molho-vermelho-sangue da panela.
Deposite o verde-aroma de jardim
para saborear
a liberdade de ser frágil
e absolutamente humana.
Livre.
(livre-se)

Rosane Gomes

O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. O que aqui está é, mal comparando, semelhante à pintura que se põe na barba e nos cabelos, e que apenas conserva o hábito externo, como se diz nas autópsias; o interno não aguenta tinta. Uma certidão que me desse vinte anos de idade poderia enganar os estranhos, como todos os documentos falsos, mas não a mim. 



Os amigos que me restam são de data recente; todos os antigos foram estudar a geologia dos campos-santos. Quanto às amigas, algumas datam de quinze anos, outras de menos, e quase todas creem na mocidade. Duas ou três fariam crer nela aos outros, mas a língua que falam obriga muita vez a consultar os dicionários, e tal frequência é cansativa.

Entretanto, vida diferente não quer dizer vida pior; é outra coisa. A certos respeitos, aquela vida antiga aparece-me despida de muitos encantos que lhe achei; mas é também exato que perdeu muito espinho que a fez molesta, e, de memória, conservo alguma recordação doce e feiticeira. Em verdade, pouco apareço e menos falo. Distrações raras. O mais do tempo é gasto em hortar, jardinar e ler; como bem e não durmo mal.


 

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