segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Leiam Joaquim Manuel de Macedo




O texto abaixo foi escrito no século XIX. Poderia estar, ainda hoje, no jornal, na inertent, vinculado, por exemplo, ao seguinte link no youtube:



“No pronome Eu se resume atualmente toda a política e toda a moral. É certo que estes conselhos devem ser praticados, mas não confessados; bem sei, bem sei, isso é assim: a hipocrisia é um pedaço de véu furtado a uma virgem para cobrir a cara de uma mulher devassa; tudo é assim, mas o que querem?...(...) ainda não me pude corrigir do estúpido vício da franqueza.
Eu digo as coisas como elas são: há só uma verdade neste mundo, é o Eu; isto de pátria, filantropia, honra, dedicação, lealdade, tudo é peta(...); ou (para me exprimir no dialeto dos grandes homens) tudo é poesia.
Pátria!... é verdade: por exemplo, que é a pátria?... ora eu vou dizer em poucas palavras o que ela é, pelo menos aqui na nossa terra.

A pátria é uma enorme e excelente garoupa: os ministros de estado a quem ela está confiada, e que sabem tudo muito, mas principalmente gramática e conta de repartir, dividem toda nação em um grupo, séquito e multidão: o grupo é formado por eles mesmos e por seus compadres, e se chama – nós -; o séquito, um pouco mais numeroso, se compõe dos seus afilhados, e se chama – vós -; e a multidão, que compreende uma coisa chamada oposição e o resto do povo, se denomina – eles -; ora aqui vai a teoria do eu: os ministros repartem a garoupa em algumas postas grandes, e muitas mais pequenas, e dizem eloqüentemente: “as postas grandes são para nós, as mais pequenas são para vós” e finalmente jogam ao meio da rua as espinhas, que são para eles. O resultado é que todo o povo anda sempre engasgado com a pátria, enquanto o grupo e o séquito passam às mil maravilhas à custa dela!”

(Trecho do romance A carteira do meu tio, Joaquim Manuel de Macedo, Porto Alegre: LP&M, 2001.)

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